Do site: http://www.phs31.org.br/biblio/livro2.htm
 


HUMANISMO E SOLIDARISMO
para um Brasil melhor

José Alcebíades de Oliveira Júnior
Apresentação

Os artigos do Prof. Alcebíades retratam com muita clareza e ao mesmo tempo com muita profundidade o que é a nova política que os seres humanos do terceiro milênio almejam. O Humanismo Solidário quer resgatar os valores positivos que existem dentro de cada pessoa e torná-los ação. Quais valores? Coragem, capacidade, generosidade, liberdade, responsabilidade, heroismo... Esses valores, aplicados para o bem-estar do homem, geram auto-estima, prazer, vitalidade e tornam os seres humanos mais felizes e realizados. Poderíamos mencionar muitos grandes líderes em diversas áreas: no esporte, na política e no mundo empresarial. Eles nos fazem entender que empreender é ter coragem, capacidade, competência e responsabilidade social. Observando os anseios dos jovens e adolescentes, vemos que muitos deles ocuparão com liberdade e responsabilidade esses postos. Ao evidenciarmos o Movimento Humanista Solidário que se consolida na sociedade brasileira, percebemos que os valores humanos em ação possibilitam melhores resultados ao bem comum do que as discussões ideológicas de modelos econômicos que, ao longo da história, colocam sempre o humano contra o humano. Resgatar os valores humanos, como primeiro agente de bem-estar, é resgatar o Novo Humanismo Solidário. É alcançar a paz, é colocar o humano como valor primeiro, é somar o "EU + TU" = NÓS, é compreendermos que nossas diferenças adicionam para o todo e parar simplesmente de desqualificar o humano por suas deficiências. Assim, nossa caminhada é na direção de potencializar as virtudes e não os defeitos de cada um, para multiplicarmos o bem-estar social. Parabéns, Professor Alcebiades! Seu embasamento em grandes pensadores dá a garantia do caminho vencedor.
Roberto Argenta Deputado Federal do PHS-RS

"A verdadeira política é um modelo, uma forma que resolve, a cada momento, a exigência histórica de um povo."
Antônio Meneghetti "Solidariedade exprime a condição concreta de seres na qual a perfeição de um é função do aperfeiçoamento dos outros; na qual cada um realiza a perfeição de seu próprio ser, precisamente na medida em que participa da promoção dos outros."
Pe. Bastos de Ávila

O movimento humanista do RS encontrou no movimento solidarista nacional sua outra face, vindo a formar o movimento humanista-solidarista, hoje com pouco mais de um ano e várias realizações concretas. Esse movimento tem como alicerces a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", da ONU (1948), e a Doutrina Social Cristã. Seus princípios fundamentais são: o homem, a solidariedade, a democracia e o comunitarismo internacional, nacional, estadual e municipal. Assim, com esses princípios e tendo por base uma adequada cultura humanista (que ressalte a responsabilidade e a criatividade), associada a um solidarismo comunitário (isto é, que acredite na força das próprias comunidades), pretende incentivar e desenvolver sujeitos capazes de superar os obstáculos impeditivos de sua plena realização.

O papel central do homem no mundo e algumas interrogações

Desde os gregos o homem ocupa um lugar de destaque no mundo. Repetindo Protágoras, "o homem é a medida de todas as coisas". De imediato, porém, também já os gregos perguntavam: "Mas o que é o homem e o que, diferentemente dos demais seres, cabe a ele fazer e sofrer?" 1 Por certo, a idéia de medida quer dizer que nós somos dotados de inteligência, razão, de sabedoria. Mas o que fazemos com esses dons? A título de exemplo quanto à dicotomia guerra e paz, linhas de ação que não precisam ser explicada devido à evidência que possuem, qual delas mais privilegiamos? Basta olhar mundo em sua globalidade ou então, simplesmente, o que está a nossa volta, pa constatarmos como fazemos mais guerra do que paz, como oprimimos mais do que libertamos, como subordinamos mais do que buscamos a cooperação entre homens. E o pior é que fazemos tais coisas com "muito prazer". Temos prazer com a guerra, com os sistemas opressivos - fascistas, nazistas, etc. - e, portanto, não com bom combate - busca de um aumento da solidariedade, por exemplo -, mas co aquele meramente baseado em interesses materiais ou em realizações psicológicas mesquinhas. O homem é central também para a economia. Desde a economia doméstica economia de mercado. Da pequena economia agrícola às grandes produções agropecuárias e industriais. A economia resultante da inteligência artificial produzida pela informática também não pode existir sem o homem. Grandes sistemas se estabeleceram em torno da economia, desde o feudal ao capitalista, E pergunta é: por que os grandes sistemas criados para auxiliar o homem termina por oprimi-lo? Seguramente, alguém é responsável, quando se observa que produção de bens (riquezas) e sua conseqüente distribuição têm servido muito mais à opressão de indivíduos por outros do que a sua realização. Quando se trata incentivar o consumo para se obter a acumulação, ninguém se pergunta por uma ética do consumo. Em tempos de globalização econômica, as massas são manipuladas a terem necessidades que não lhes são próprias. Esse grande encurtamento das distâncias iguala a todos, e todos perdem sua identidade. Um índio da Amazônia acredita ter as mesmas necessidades que um cantor de rock como Sting. Enfim, a própria produção industrial e comercial também termina por ter de se submeter a uma uniformização alienígena bastante questionável. Quanto à ordem social - via direito e política -, o que dizer? O direito, que nasceu da vingança privada e deveria caminhar em direção ao socialmente justo, ainda está mais próximo da violência do que da justiça. Embora o direito tenha de ter força e poder, não deveria oprimir. O que sente um cidadão comum, quando é levado às ditas "barras dos tribunais"? Verdadeiro terror. Invariavelmente a justiça não está aí para proteger, mas para amedrontar. Dizer que a justiça existe para pobres é uma verdade, mas parcial. Ela existe também para um dos membros de um casamento aterrorizar o outro, para inquilinos e proprietários fazerem guerra, para pequenos empresários, muitas vezes, desistirem antes mesmo de começar. Da política, o que dizer, quando a maioria não acredita mais nela? O que dizer, quando a corrupção vai dos governantes aos governados, quando se vê o eleitor vender seu voto por uma bagatela, pois prefere atender a uma necessidade urgente a acreditar num projeto bom, porém futuro e distante? Enfim, o papel central do homem e o que ele faz com isso poderiam gerar um sem número de interrogações. Mais ainda, um sem número de indignações, de revoltas. Entretanto, não podemos desistir de mudar essa realidade. Precisamos resgatar a crença em nossa potencialidade de mudar o mundo. Como muito bem coloca Peter Sloterdijk, em seu Regras para o Parque Humano, "o próprio modo de ser dos humanos distingue-se do de todos os outros seres vegetais e animais de forma essencial e segundo uma característica ontológica fundamental: o ser humano tem um mundo e está no mundo, enquanto plantas e animais estão apenas atrelados a seus respectivos ambientes"2. A dignidade humana estará tanto mais preservada quanto mais incentivarmos a conscientização de que somos seres livres e possuímos a capacidade de nos autodeterminarmos. A autodeterminação dos povos é o primeiro dos artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Um pouco da crença dos grandes pensadores no homem

Como já escrevemos em outro pequeno texto3, são muitos - felizmente -pensadores humanistas. Desde o Renascimento e com a virada antropocêntrica -homem colocado no centro do conhecimento -, a crença no papel central c homem e em sua capacidade racional vem sendo preconizada em muitos campos por muitos pensadores. Descartes, Da Vinci, Rafael, Kant, Marx, Kierkegaar Husserl, Heideggei; Sartre, Chardim, Bobbio, Bastos de Ávila e Meneghetti 5c alguns dos humanistas importantes, sem falarmos em outros nomes mais populare como Ghandi e Martin Luther King. Do movimento renascentista pode-se dizer que ele marcou o "reconhecimento datotalidade do homem como ser formado de alma e corpo e destinado a viver no mundo e a dominá-lo". Além disso, "o reconhecimento da condição histórica do homem, dos vínculos do homem com o seu passado" e o entendimento sobre sua capacidade de projetar um futuro colocam-nos diante de um ponto essencial: todos nós podemos construir uma biografia. O que constará dela é responsabilidade de cada um de nós.4 É nesse contexto que se insere o pensador Kant. Ao afirmar que o sujeito está no centro de todo o conhecimento, demarcou que o conhecer é limitado às condições do conhecedor. Isto quer dizer que, embora o mundo e a natureza possuam suas características próprias, sempre o vemos segundo nossas possibilidades (nossos otimismos e pessimismos, nosso pensamento avançado ou preconceituoso, etc.). Com efeito, agregamos valores - positivos e/ou negativos - ao mundo. Com base e Kant, podemos afirmar; então, que valores como liberdade e solidariedade não são importantes para nós por nenhum motivo absoluto e predeterminado; são importantes somente na medida em que temos consciência de que são valores úteis para a funcionalidade de nossa vida, que requer, entre outras coisas, livre arbítrio convivência pacífica. Se o pensador Kant defendeu com perspicácia a idéia de uma sociedade livre, Marx, o grande teórico do socialismo, perguntou-se por uma sociedade justa e igualitária. E sua grande bandeira foi a libertação da classe operária face à opressão dos capitalistas. E quem se defronta com sua teoria percebe logo que, para Marx, o Estado moderno - entidade político-jurídica detentora do monopólio da força - seria uma super-estrutura a serviço da uma infra-estrutura econômica dominada pelos capitalistas, passando então a pregar o fim desse Estado. Haveria, porém, uma fase intermediária, que seria a de tomada desse. Estado dito burguês por parte do proletariado, em direção a sua total extinção. Lamentavelmente, a ocupação temporária do Estado pelo proletariado foi vivenciada de modo continuado pelo socialismo real soviético, gerando tanta ou ainda mais opressão do que aquela do Estado burguês, ao suprimir as liberdades públicas em nome de um igualitarismo burocrático e assistencialista. O fim - extinção - do Estado nunca foi alcançado, senão que, ao invés, seu agigantamento, concretamente observado em nazismos e fascismos. É muito da trágica experiência com os Estados fascistas e nazistas que humanistas como Heidegger e Sartre demonstraram um certo pessimismo com o homem. Entretanto, suas obras são verdadeiros monumentos dedicados ao ser (O Ser e o Tempo e O Ser e o Nada). Como dizem Ana Laporte e Neusa Volpe, "até Kierkegaard, para as grandes correntes do pensamento humano, o homem era o ponto de chegada da reflexão filosófica; com o existencialismo (ateu ou laico), tornou-se o ponto de partida desta reflexão, colocando-se como a grande questão para o seu próprio pensamento"5. De Heidegger gostaríamos de enfatizar o aspecto dúplice tal como via o homem: enquanto princípio universal e inteligente e enquanto projeção existencial e histórica. O homem, em sua caminhada histórica, seria o "pastor do ser". Isto é, guardaria dentro de si aquele princípio universal e inteligente. Porém, embora responsável, vigia do ser, não seria seu dono, o que o coloca num constante desafio, no que se refere a essa tarefa de guardar o ser. Quando, em seu percurso histórico, o homem realiza de modo adequado sua tarefa, encontra-se com sua universalidade, e esse agir de acordo com seu princípio o torna pleno, realizado. Inobstante, quando se distancia de seu princípio, perde sua identidade, e a conseqüência é que ele é menos ele mesmo. Em palavras simples, nascemos de um principio perfeito que nos funda, mas no plano histórico agimos muitas vezes em desacordo com ele, não vivendo, portanto, em plenitude, o que nos coloca a indagação sobre se a raça humana evolui ou regride (a natureza, por exemplo, possui um seu ritmo; será que continuaremos a contrariá-la?). Nesse sentido parece caminhar a afirmação do prof. Meneghetti de que "evolução é algo relativo e questionável, pois nós procedemos do mais". Ninguém pode duvidar de que, historicamente, existiram neste planeta civilizações que nos precederam e foram muito superiores à nossa, mas que, por uma soma de conflitos ou cataclismos, desapareceram; civilizações que alcançaram um poder extremo sobre a matéria, sobre as formas de vida que sabiam manipular; forças superiores àquelas atualmente conhecidas, como o campo eletromagnético, a energia atômica, o hipercampo psíquico, etc.6 Mas atenção: essas afirmações devem funcionar apenas como alerta para que sejamos responsáveis enquanto pastores do ser. O valor de existir aqui e agora é realidade boa, se tem uma projeção de sentido por tudo o que e quanto existe. Se não, não serviria para nada sermos inteligentes, sofrermos, padecermos a angústia, conhecer a esperança. Enfim, o problema do humanismo é o problema da vida e é, portanto, relativo ao como, quando e quanto se existe.7

Humanismo e Solidarismo diante das transformações do Estado e da Sociedade

Uma das questões centrais que um movimento humanista/solidarista tem de se colocar; não só pelo esclarecimento cultural que possui, mas também pelo compromisso social e político que encerra, é o da melhoria do mundo e, assim, o da discussão das condições existenciais dos seres humanos. Desse modo, não pode fugir de comentar as duas principais vias de transformação social da modernidade: a revolução e o reformismo. O que caracteriza e diferencia um movimento revolucionário de uma simples reforma é a ruptura com a ordem jurídico-política existente. Como movimentos revolucionários bastante conhecidos e importantes, um tido como de direita (liberalizante) e outro tido como de esquerda (socializante), temos a Revolução Francesa e a Revolução Russa. A primeira teria colocado a burguesia no poder em lugar da aristocracia de então, e o outro teria colocado o proletariado - classe trabalhadora - no lugar da burguesia no domínio do poder. O que importa assinalar de maneira simples e resumida é que foi dessas duas revoluções que se originou o debate ideológico e de classe que tem caracterizado e dominado a idéia de transformação social na modernidade e contemporaneamente. Sistema capitalista versus sistema socialista. A Revolução Francesa, ao defender a liberdade, consignou que a sociedade é um grande mercado que possui leis próprias e é inteligente o suficiente para não ser atrapalhado. A Revolução Russa, ao defender a igualdade, consignou que o funcionamento livre do mercado geraria distorções e, em conseqüência, opressões de classe que precisariam ser controladas desde fora, através do Estado. Ora, o que essa oposição ideológica oculta ou não ressalta é que, além de mudarmos os sistemas, temos de mudar a mentalidade dos homens que integram esses sistemas. A maneira como nós - homens - nos relacionamos com os sistemas. Com efeito, eles precisam ser moldados segundo a natureza humana, e não o contrário. Mas, lamentavelmente, o que se observa é o absurdo. Quem defende a liberdade geralmente é contra a igualdade e vice-versa. Quem defende o mercado geralmente é contra o Estado e vice-versa. Quem está do lado do mercado está do lado da iniciativa privada e, portanto, contra o interesse público; quem defende o Estado e, logo, o interesse público não enxergaria a importância da iniciativa privada, etc. Discute-se se o Estado deve ser pequeno ou grande. Se se deve aumentar a regulamentação jurídica ou diminui-la, etc., etc. Qualquer luta ideológica ou entre os sistemas só terá sentido, se o homem estiver em seu centro de preocupações e for seu fundamento último. Com efeito, a discussão da oposição Estado x Mercado só tem sentido, insistimos, se tiver o ser humano e suas necessidades reais como centro. Só assim poderemos entender que liberdade e igualdade não são dimensões excludentes, senão que complementares. Não é possível melhoria social como o resultado somente de modificações institucionais; a sociedade civil ou então os homens/cidadão comuns têm um importante papel a cumprir nas transformações sociais. É preciso ver que, ao lado dos funcionários públicos ou políticos com mandato (membros Estado) e dos empresários ou capitalistas (integrantes do mercado), existe o que autores chamam de um terceiro setor; integrado pelas pessoas comuns e que não devem ser vistas unicamente como submetidas ao poder do Estado ou do mercado, mas como parceiras e cooperadoras das soluções aos problemas de todos. Nenhuma revolução ou mesmo reforma - mudança sem quebra da ordem vigente encontrará fórmula melhor do que a sociedade organizada para contribuir produção e distribuição das riquezas da própria sociedade, desde que essa organização seja consciente e responsável8. E isso porque o Estado sempre agirá buscando atender suas razões de Estado, e o mercado sempre agirá de maneira a preservar seus interesses. Portanto, o que o humanismo/solidarismo tem a dizer sobre mudança social é que além de se pensar em transformar as instituições, deve-se enfatizar a necessidade participação dos cidadãos nos destinos públicos e privados de sua nação e de mundo, o que requer também uma transformação da própria mentalidade hoje dominante nos indivíduos. Lembrando a Revolução Francesa, é preciso perceber que, além dos valores de liberdade e igualdade, é de lá que vem um outro também fundamental valor: a fraternidade, enquanto atuação solidária dos homens entre si e dos homens e as instituições.
 
 

Possíveis caminhos para uma parceria entre Estado e Sociedade organizada

Como salienta Jorge Wilheim9, "a amplitude das reformas institucionais é fato novo a caracterizar o final deste século. Há cinqüenta anos não se considerava a sociedade civil como protagonista criativa do desenvolvimento e poucas dúvidas havia sobre o fato dos governos nacionais representarem a totalidade de suas nações..." Contudo, como segue esse autor; "durante especialmente o final da década de 60, desponta com vigor o processo de emergência da sociedade civil, como protagonista expresso, a exigir; primeiro, ser percebida e aceita (movimentos hyppies) e, em seguida, pleiteando poder (movimentos de rua como maio 1968 na França), para finalmente assentar-se na posição de participante critico organizado, com iniciativas próprias ou participante de parcerias ( organizações não-governamentais, pertencentes ao chamado terceiro setor da sociedade): um longo processo democratizante a forçar novas relações como Estado"10 Com efeito, em termos de Brasil, podemos participar tanto nos organizando para criticar como para fazermos o que é preciso. Na esteira das falhas da democracia representativa, dentre as quais a idéia de que cidadão simplesmente é aquele que vota, a Constituição de 1988 trouxe instrumentos da democracia direta que permitem alargar nossa participação cidadã. Como exemplo, temos a possibilidade de que leis sejam feitas através de plebiscitos e referendos. De outra parte, várias leis tais como a do "Estatuto da Criança e do Adolescente" só funcionam com a participação dos conselhos tutelares, formados por cidadãos comuns. Com todas as críticas possíveis, a idéia de "orçamento participativo" também implica uma ampliação da cidadania. Organizações não governamentais podem ser utilizadas tanto para fazer coisas que o Estado não faz ou não tem condições de fazer; como colaborar na execução do planejamento do Estado. Enfim, a criação de entidades cooperativadas de acordo com a identidade local devem ser incentivadas. Essa parceria é indispensável num país com grandes proporções territoriais como o nosso.

Política e valor agregado

Para Aristóteles, grande filósofo grego, o homem era um zoon politikón - isto é, um animal político. Por que, então, a grande maioria das pessoas não se interessa por política? Seria por acreditar que ela não serve para nada? A resposta não é simples. Uma explicação possível seria a de que, em muitos casos, a sociedade confunde a verdadeira política com a má política exercitada por alguns políticos de plantão, reduzindo assim sua análise do tema. É preciso atentar para que, sendo a política uma dimensão essencial ao homem, ela não pode ser eliminada. Por isso devemos estar atentos, porque, como diz Roberto Romano, filósofo paulista que procuramos interpretar; essa confusão pode conduzir aos totalitarismos ou então até mesmo à barbárie, ao alimentar a idéia de eliminação das instituições intermediadoras do jogo social, como é o caso da política, o que muito bem pode estar sendo uma tática usada por certos setores nazistas ou fascistas ocultos.11 Assim, é bem verdade que muitos políticos se elegem com o discurso da representação de determinadas comunidades e acabam, depois, por exercer seu mandato unicamente com o objetivo de se manter no poder; realizando, para tal, um sem número de acordos espúrios, desiludindo seus eleitores. Isto sem contar com aqueles que se utilizam diretamente do poder para seus interesses pessoais. Entretanto, e seguindo uma vez mais Roberto Romano, deixemos a indústria da denúncia de lado para defendermos perspectivas importantes para toda a sociedade, segundo as quais "um parlamentar deve saber que o Congresso é propriedade do povo soberano, e não do seu grêmio político. Um juiz deve saber que julga em nome do Estado, e nunca em função desse ou daquele poderoso. Um cientista deve saber que ensino e pesquisa não têm partido..."12 Diante disso, o que o movimento humanista/solidarista defende é a passagem de uma atuação política fisiologista, isto é, dirigida unicamente para a obtenção e a manutenção do poder; para uma atuação política que agregue valores. Precisamos resgatar nos cidadãos a credibilidade de que a atuação política pode contribuir para a vida em sociedade. Como? Em primeiro lugar; funcionando como um instrumento de agregação de valores humanos, através do incentivo ao cooperativismo. Um homem, associado e solidário com outro, possui mais força. Tem melhores condições de competitividade. Pode enfrentar melhor as más políticas públicas. Em segundo lugar; resgatando no eleitorado a crença de que é possível, através de quadros políticos bem formados, o estabelecimento de adequadas políticas públicas, dirigidas à educação, saúde e economia. Um exemplo pode ser dado através de uma pergunta: por que o Rio Grande do Sul vem se destacando em algumas áreas como a coureiro-calçadista? Porque, como diz o Deputado Federal Humanista Roberto Argenta, com base na filosofia de Antonio Meneghelli, o RS aprendeu que "um par de sapatos não são apenas buracos para se pôr os pés". É muito mais. Existem vários valores agregados a um couro de boi que fazem de um sapato produzido neste Estado um líder de mercado, e o RS, um pólo no setor. Um outro exemplo nos foi passado pelo empresário Roberto Barreiros e diz respeito a Florianópolis - SC: "Finalmente estamos nos encontrando com nossa identidade, isto é, com o mar." Grandes projetos estão sendo implementados no sentido de que a cidade volte a interagir com o mar; e isso tem trazido um grande incentivo ao turismo. Por outro lado, a extração não predatória da natureza já faz de SC (e Florianópolis em particular), hoje, o maior produtor de ostras do Brasil. Por falar nisso, como diz o prof. Rocha, e Porto Alegre e o estuário do Guaíba, como anda essa relação? Pois bem. Felizmente várias áreas, no RS e SC, começam a abrir os olhos, como a vitivinicultura. Tivemos a oportunidade de assistir; certa feita, a um incrível diálogo entre italianos e franceses sobre qualidade de vinho, e aprendemos o quanto o aprimoramento, a coerência e a seriedade, numa determinada área, podem torná-la produtiva. Felizmente, os gaúchos já estão entendendo isso. Mas existem muitos outros setores que precisam se utilizar do mesmo princípio, agregar e criar valores novos às matérias-primas naturais que nesse Brasil são abundantes, sendo encontrados nesse ponto excelentes conteúdos para os projetos a serem implementados pelos políticos. Respostas a algumas perguntas que ainda não foram feitas
Sobre o ser: "Desde Platão, a pergunta sobre o ser é uma batalha de gigantes. (...) A que visamos quando pronunciamos a palavra é, ou seja, quando dizemos: a árvore e , o homem 'é', Deus 'é'? (...) Essa pergunta parece ser; a princípio, um problema abstrato da filosofia ontológica, mas logo percebe-se que conduz à profundidade das razões e dos abismos do pensamento."13 Ainda sobre o Ser: "A vida é relativa porque nos é dada e também nos é tirada. (...) Mas a pergunta é: uma vez que se é, como existir? Muitos consideram que valeria c pena existir se estivessem melhor; e este melhor o definem ou como um além dum déficit evidenciado ou como algo relativo à realização de desejos; isto é, nó. projetamos o sucesso da vida onde quer que possa ser preenchida uma carência que sentimos. Portanto, ser ou não ser é experiência incessante do ser homens: a vida depende como ato constante e contínuo de uma decisão que devemos renova momento a momento."14 Sobre Partido Político: "Uma política ou um partido não podem ser fundamentado em idéias fechadas e princípios absolutos, mas devem ser uma estratégia que se baseia na funcionalidade de serviço relativo ao momento histórico."15 Sobre Democracia Participativa: "Democracia, ao nosso ver; é processo d participação dos governados na formação da vontade governativa. (...) A democracia direta do voto no computador caracteriza o crepúsculo da intermediação peculiar à democracia indireta do voto na urna (...). Descortina-se assim a idade nova da democracia direta, democracia do século XXI, democracia direito da Quarta geração, coroando, na linha histórica, um processo que leva o povo das regiões metafísicas do contrato social à sede das constituintes investidas na soberania popular."16
Sobre solidarismo: "A solidariedade é a profunda aspiração de todo homem, que não foi feito para odiar e sim para amar; mas, para que ela não seja um ideal romântico, deve encontrar sua linha de ação."17 Sobre Direita, Esquerda e Terceira via: "A tese fundamental que nos inspira [é] de um total repúdio ao valor absoluto do dilema: capitalismo ou socialismo. Para nós, entre os dois membros da alternativa, existem inúmeros modelos históricos que podem corresponder melhor às realidades de um país com as características brasileiras. Aceitar o valor irredutível do dilema é entrar num esquema de radicalizações, que canalizará para o socialismo todo o rancor; todo o ódio, todas as frustrações e todas as autênticas aspirações de justiça social que se levantam contra as iniqüidades das quais o capitalismo é o responsável histórico, e que canalizará para o capitalismo todas as justas repulsas de um regime totalitário inumano, de envolta com os interesses mais sórdidos e mais egoístas.1118 Sobre líderes e liderança: "O líder é dotado de sensibilidade ética. (...) A inteligência é o bem primário da nossa espécie neste planeta. É sobre essa inteligência que devemos saber intervir; estendendo a todos conhecimento e responsabilidade. (...) Um líder é expoente de ecologia humanística e se constitui com responsabilidade coerente."19 Sobre religião: "Nada é mais absurdo e destruidor que recusar a secularização, que podemos também chamar de laicidade; mas nada autoriza a jogar fora o sujeito com a religião como não se joga a criança com a água do banho."20 Ainda sobre religião: "Os intelectuais procuraram constantemente substituir a religião por uma outra versão do absoluto: a beleza, a razão, a história, o Id ou a energia."21 Sobre partidos emergentes (ou pequenos): "Lembro que é Lei da Natureza que se nasça pequeno. Quem nasce já grande e adulto é curiosidade a ser exibida em feiras e exposições..."22

Notas
1 Cfe. Wilhelm Wischedel. A Escada dos Fundos da Filosofia. São Paulo: Angra, 1999, p.20.
2 Cfe. Regras Para o Parque Humano. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p.25-6.
3 Cfe. Humanismo Hoje, organização de Any Rothmann. Porto Alegre: Associação Humanista RS e Gráfica La Sal le, 2000.
4 Cfe. Nicola Abbagano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p.493-4.
5 Ver Existencialismo, Uma Reflexão Antropológica a Partir de Heidegger e Sartre. Curitiba: Juruá, 2000, p.1 1.
6 Cfe. Antonio Meneghetti. O Em Si do Homem. Passo Fundo: Ontopsicológica, 1987. Trad. Alécio Vidor; p.1 2-3.
7 Meneghelli, O Em Si do Homem, op. cit., p.1 5-6. Caberia aduzir aqui algumas breves, porém preciosas afirmações de Sartre sobre liberdade: "A vivência da opressão, o peso dos determinismos (biológicos) só se fazem presentes a um ser de liberdade. Sem liberdade não é possível fazer tais distinções. Por conseqüência, a liberdade é uma condição ontológica (inerente) ao homem que, só por possuí-la, diferencia-se dos outros seres (animais). Com efeito, o homem só é homem porque é livre." Daí Sartre ter afirmado: "O homem é condenado a ser livre." Cfe. Ana Laporte e Neusa Volpe, Existencialismo, Curitiba, 2000, p.1 1. Tais afirmações corroboram a afirmação básica de Meneghetti sobre a necessidade de discutirmos o como, o quando e o quanto se existe, pois liberdade exige responsabilidade.
8 Aqui se deve lembrar Sartre em O Ser e o Nada, no sentido de que todo projeto individual possui implicações com o todo, com o projeto de todos. Destacamos também que o professor Boaventura Souza Santos tem discutido a questão do terceiro setor (ONG~s) em vários de seus artigos dentre os quais "Para uma reinvenção solidária e participativa do estado".
9 Ver Sociedade e Estado em Transformação. Vários autores. São Paulo: UNESP 1999, p.16.
10 Idem, op. cit. p.16.
11 Cfe. seu texto Sobre Máscaras, Anjos e Instituições, Folha de São Paulo, 21 fev. 2001, p.A3.
12 Idem, texto anteriormente citado.
13 Cfe. Wilhelm Weischedel. A Escada dos Fundos da Filosofia, op. cit, p.307.
14 Cfe. Antonio Meneghetti. O Em Si do Homem, op. cit., p.1 2.
15 Cfe. Antonio Meneghetti. Economia e Política Hoje - Brasil 2000. Florianópolis: edição do autor; p.145.
16 Cfe. Paulo Bonavides. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p.57-8.
17 Cfe. Pe. Fernando Bastos de Ávi la. Solidarismo, Alternativa Para a Globalização. São Paulo: Santuário,1 997, p.1 52.
18 Bastos de Ávi la. Solidarismo..., op. cit., p.1 0-1.
19 Cfe. Antonio Meneghetti. La Psicologia dei Leader. Roma: edição do autor; 2000, p.39-40.
20 Alam Touraine. Crítica da Modernidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p.226.
21 Alam Touraine. Crftica da Modernidade, op.cit., p.334.
22 Cfe. Philippe Guedon. A Revolta dos Nanicos. Petrópol is-Ri: Mimeu, 2000.