O CHARLATÃO QUE TENTOU CALAR O CIENTISTA
de Leo Vines

Tomei conhecimento de um fato inusitado. Tonino, vulgo Antônio, Meneghetti, criador de uma pseudociência chamada Ontopsicologia, travestida de nova e revolucionária psicologia, ameaça processar o professor de Genética do Comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Renato Zamora Flores (membro da STR), após ter um artigo de sua autoria, publicado em jornal de grande circulação, severa e justamente criticado por Renato em 10 de janeiro de 1998. É uma nova forma de tentar calar a ciência e o racionalismo, processando os cientistas e críticos, para tentar se estabelecer no mercado e continuar ludibriando as pessoas, vendendo livros e dando palestras.

No artigo intitulado Na Quarta Dimensão do Eu, publicado em 20 de dezembro de 1997, no jornal Zero Hora, Meneghetti expõe o que seria essa "nova psicologia". O artigo é incompreensível, uma mistura de palavras formando frases desconexas e sem sentido. Parece que o autor pegou um punhado de polissílabas e termos técnicos científicos, jogou todas num saco e foi sorteando a esmo o que colocaria nas frases. A única coisa que consegui entender é que ele tentou dar uma de Lair Ribeiro, inventando um texto complicado (tão complicado que não faz o menor sentido) para impressionar os leitores e vender, para políticos, empresários e economistas, a falsa promessa que eles vão ter sucesso se aprenderem as baboseiras que o autor inventou.

A Ontopsicologia se parece muito mais com uma seita religiosa do que com ciência. Não há pesquisas na área, apenas um punhado de livros escritos por seu criador, Tonino Meneghetti. Não há nada sobre ela publicado em revistas científicas renomadas, ou em qualquer periódico de psicologia. Ela não é nem reconhecida pelo conselho regional de psicologia do Rio Grande do Sul, estado onde reside o professor Renato Zamora Flores. Renato possui um documento, emitido pelo CRP-RS, que afirma que esta pseudociência não é considerada válida, e o usará em sua defesa no processo que está respondendo. Na página da Associação Brasileira de Ontopsicologia na Internet, não há nada que explique cientificamente o que vem a ser a Ontopsicologia. Há apenas muitas menções de Meneghetti como líder máximo do movimento. A área de artigos está absolutamente vazia. Há, porém, um longo texto explicando o que é a "OntoArte". Será que eles pensam que a arte substitui uma explicação científica?

Ora, eu nunca ouvi falar de um cientista que tenha processado outro por ter sua teoria criticada. Isso acontece todas as vezes que alguém tenta defender uma tese de doutorado. Isso é até incentivado para que a ciência se aprimore. Já para os pseudocientistas, isto é fatal. Apontar os erros das suas teorias faz com que eles caiam em desgraça. Faz com que seus livros, de capas coloridas e preços salgados, percam o valor e a utilidade. Faz com que eles percam a galinha dos ovos de ouro que inventaram pra arrancar o dinheiro dos desavisados. Se alguém criticar a gravitação Newtoniana, apontando a discrepância da órbita do planeta Mercúrio, não será processado pelos físicos. Será agraciado pela relatividade de Einstein, que corrige este pequeno detalhe da eficiente teoria da gravitação do velho Newton. Processar os anti-Newtons não tornará a órbita de Mercúrio diferente.

Claro, essa analogia que fiz foi um tanto quanto forçada, pois não conheço ninguém que saia por ai escrevendo artigos criticando a gravitação de Newton. Só quis expressar que apenas um charlatão tomaria uma atitude acientífica como essa, processar para calar, ao invés de vir a público elucidar suas teses. Não é processando os críticos que a coisa funciona num mundo científico.

Se você quer que alguém acredite no "Em Si ôntico" e nas outras coisas esdrúxulas da Ontopsicologia, deve apresentar uma teoria concisa e plausível, seguida de excelentes evidências materiais e experimentais que a suportem. Um texto desconexo e sem sentido não é suficiente para criar uma nova ciência, como propôs o senhor Meneghetti. E nem vou perder tempo comentando a parte de seu texto que fala sobre civilizações extraterrestres deformando as nossas percepções. A panacéia criada por Meneghetti não é nada diferente da astrologia, da numerologia, da homeopatia e de tantas outras pseudociências. Promete milagres mas não os cumpre. Promete riquezas mas só engorda a conta bancária do autor de seus livros. Uma lástima.

Abaixo está o artigo de Tonino Meneghetti e a crítica do professor Renato Zamora Flores. Possuo uma cópia da notificação ameaçando o início do processo, mas por motivos óbvios e éticos, não a reproduzirei aqui. A STR deixa aberta a Área Debate para que o senhor Tonino Meneghetti exponha seus argumentos de forma civilizada, juntamente com o senhor Renato Zamora Flores. A boa ciência não é feita nos tribunais.
 

***
Ontopsicologia (2)
Lógico, coerente e errado o suficiente para o prejudicar. Apresentam-se como revoluções no conhecimento mas não passam de fachadas para outras intenções, direcionadas ao seu ponto mais frágil: o bolso. E o que chamamos de pseudociências: um conjunto de afirmações que parecem ter passado pelo pente fino da verdade, mas que não passaram, entretanto, por crivo nenhum, utilizando-se de truques de raciocínio e até mesmo de inverdades para iludir incautos - e alguns nem tão incautos. De modo geral, são divulgadas com alarde por indivíduos inteligentes, bem-falantes e que, por acaso, ganham muito dinheiro com elas.

O discurso das pseudociências costuma ser excelente na coerência interna, ainda que falhe, de maneira grotesca, na coerência externa. A astrologia é um exemplo. Dezenas de estudos acurados desenvolvidos por entidades respeitadas demonstraram que a eficiência dos mapas astrais como forma de previsão de eventos de vida ou características de personalidade equivale àquela de jogarmos urna moedinha para o alto: cara, você é tímido, coroa, é extrovertido. A coerência interna da astrologia impressiona. Manuais de astrologia contêm uma série de regras complexas para a interpretação de mapas, muitas delas matemáticas e/ou astronômicas.

Algumas áreas do conhecimento são mais suscetíveis ao avanço, propositado ou não, das idéias enganosas. Quanto mais estabelecida uma ciência, como a física, por exemplo, mais difícil que cometa erros. Isto não impediu, entretanto, que, em 1989, dois grupos de pesquisadores anunciassem que haviam conseguido a fusão de núcleos atômicos a frio, que poderia se tomar uma fonte de energia barata, inesgotável e não-poluente. Nos dois anos seguintes, uma série de tentativas de repetição da experiência falharam em conseguir os mesmos resultados. A humanidade ainda não havia alcançado a fusão a frio.

Este caso mostra, porém, como a ciência tenta se corrigir, por críticas e verificações independentes das descobertas anunciadas. Estas críticas são feitas na maioria das vezes, nas revistas especializadas, nas quais cientistas interessados criticam os trabalhos uns dos outros. Uma das regras de ouro da conduta dos charlatões é evitar as revistas científicas especializas.

Áreas do conhecimento que ainda estão se desenvolvendo, muitas delas recheadas de conflitos, são mais vulneráveis à ação de idéias equivocadas. Devido ao apelo popular, as ciências da mente - psicologia, psiquiatria, neurobiologia, genética do comportamento etc são as mais assediadas. Pior, somos assediados de muito perto, na porta de nossas casas, por charlatões, ingênuos bem-intencionados ou oportunistas em busca de sucesso.

Na década de 80, rima rede de clínicas de psicologia e parapsicologia, que se estendia por diversas capitais brasileiras, anunciava a cura da síndrome de Down. Esta doença é causada pela presença de um cromossomo (um pacote de genes) a mais no núcleo de todas as células de um indivíduo, que possui 47 cromossomos, em vez dos 46, que seria o número normal. Atinge cerca de um em cada 600 recém-nascidos.
 
 

--------------------------------------------------------------------------------
 

Pseudociências têm intenções dirigidas a um ponto: o bolso
 

--------------------------------------------------------------------------------

A filial de Porto Alegre propagandeava um método pelo qual o cromossomo extra seria eliminado por exercícios de concentração mental da mãe, realizados na clínica e potencializados pelo uso de engenhocas eletrônicas. O método fora desenvolvido por um frei franciscano que se apresentava com um currículum impressionante: professor de psicologia, sociologia, hipnologia, psicanálise, sofrologia, psicopatologia etc, além de possuir, pelo menos, sete especializações e títulos de mestrado, doutorado e livre docência. Era um engodo. A rede de clínicas nunca conseguiu demonstrar que o método tivesse qualquer efeito nas células ou no cérebro dos pacientes.

Mais recentemente, um casal de psicólogos gaúchos desenvolveu uma linha própria de pseudociência: a biopsicotipologia genética. A terminologia pomposa e uma linguagem complexa são características comuns a vários destes enganos do conhecimento. Igualmente ambos apresentam um currículum admirável. Ele tem três doutorados e foi consultor de diversas multinacionais. Ela tem apenas um doutorado, mas estudou (o quê?) na Inglaterra, Alemanha, Holanda e Suíça. Para montar sua pseudociência, trabalhou 16 anos e ressuscitou um conceito que desaparecera da psicologia e da
 genética por sua inutilidade: o biótipo psicológico. Trata-se de associar características físicas - ser gordo ou magro, ter dentes para dentro ou para fora - com características da personalidade, como a extroversão, a capacidade de memória, a conduta altruísta etc. Desde então não houve nenhuma tentativa bem-sucedida de comprovar relações entre forma corporal e comportamento.
O casal presta assessoria na área de reengenharia de empresas. Nestas, a biopsicotipologia genética é asada para recrutar, remanejar funcionários e formar lideres. A principal crítica que se faz a tentativas cientificas de achar o lugar certo para as pessoas certas é seu caráter totalitário. Usualmente estas teorias são defendidas por membros de uma elite que, utilizando-se de um modelo newtoniano de sociedade, pensa poder encontrar um local para cada peça, mesmo as que apresentem algum defeito.

Agora somos assediados por uma nova pseudociência repleta de pretensões: a ontopsicologia, propagada pelo filósofo, escritor e presidente da Associação Internacional de Ontopsicologia, Antônio Meneghetti, autor de 13 livros em um período de sete anos. Em amplo artigo (Cultura, 20/12/97), Meneghetti aparece em uma foto, participando em um congresso internacional 10 anos atrás, de modo que fique claro para o leitor quais os ambientes que freqüenta. Sua estratégia parece ser esta: impor-se pela fama e pela pompa e evitar que se discuta o conteúdo, aparentemente discreto, da ontopsicologia.

A matéria "Na quarta dimensão do eu", só não é mais pretensiosa porque é mal-escrita, tão mal-escrita que não é inteligível. Vamos analisar um parágrafo do texto, dos mais simples, pois trata de descrição de um fenômeno mental, por Meneghetti: "... A reflexão do Eu colhe a intuição do Em Si aufiro: o núcleo que intercepta o real á medida e proporção do operador. Mas para esta compreensão, é necessário autenticar-se de três incidências que alteram a lógica-base da natureza nacional".

Você pode procurar no texto, mas não encontrará uma explicação ou definição de que núcleo ou operador estamos falando, nem quais são as três incidências e menos ainda sobre o que seja a tal lógica-base (com hífen). Alguns verbos sugerem ações que desconhecemos: o que é colher uma intuição? O que é autenticar-se de incidências?

Para minha surpresa, este conjunto de palavras desconexas tem a pretensão de ser "a ciência que estuda a atividade psíquica nos seus comportamentos globais e específicos". Como ciência, afirma Meneghetti, "a ontopsicologia se destaca de todas as pesquisas contemporâneas porque usa instrumentos e referências ignorados completamente pelas outras correntes". Nas duas páginas de ZH, entretanto, não há referência a um único resultado de pesquisa ou a descrição de instrumentos utilizados nelas. O texto é, simplesmente, ardiloso e enganador. O autor parece desconhecer o estado de desenvolvimento de qualquer das ciências que estudam o comportamento humano.

Mas o que a clínica, o casal e Antônio Meneghetti têm em comum? Suas teses são dirigidas aos mais abastados e são defendidas por eles mesmos, que se beneficiam financeiramente da aceitação de suas verdades. A clínica tem um vasto acervo de material a ser comercializado: livros, fitas, vídeos, consultas etc. A biopsicotipologia genética, por seu lado, faz parte de um pacote de reengenharia para ser consumido por empresas.

A ontopsicologia está interessada no "sucesso liderístico ou econômico em problemas empresariais". A pseudociência de Meneghetti pode contribuir até para as regras de mercado, produção, distribuição, variação monetária e previsões políticas, sem perder de vista suas contribuições para a medicina, informática, pedagogia arte e direito. É uma panacéia pata todos os males.

É preciso atenção cada vez maior devido á sofisticação dos discursos. Antes de investir seu dinheiro em alguma novidade cientifica ou tecnológica, verifique cuidadosamente a credibilidade não só de quem a vende como do produto em si.

Bem, como diria minha velha professora, "se os compramos pelo que valem e os vendermos pelo que eles acham que valem, ficamos ricos".

Renato Zamora Flores
Professor de Genética do Comportamento da UFRGS
 
 

Referências
PSI - Jornal - Edição 124-125 - Cartas - Unipsico

sito internet