ONTOPSICOLOGIA:
UMA PANACÉIA FALACIOSA, CLONE DAS RELIGIÕES

Autor Anônimo

    A ontopsicologia pretende ser a ciência que "estuda a atividade psíquica nos seus comportamentos globais específicos". Mais especificamente, seus divulgadores pensam que ela é "a contribuição interna à ciência da psicologia para exercitar uma função de exatidão", ou seja, uma psicologia mais eficiente. Não é só isso. Tratase de "um movimento de pensamento racional-humanístico que compreende todas as análises que se motivam sempre da intencionalidade ontológica: identificar, isolar, realizar o princípio que motiva o humano, em afirmação histórica e metafísica".

    A análise da história e dos fundamentos deste movimento pode nos mostrar uma nova face de grupos místicos dogmáticos: a utilização sistemática de jargões técnicos - da psicologia e da física, neste caso - para a reconstrução de um discurso religioso baseado, no presente exemplo, da teologia cristã.

    Este estranho movimento foi criado na década de 1970, por um bibliotecário italiano, ex-religioso franciscano, Tonino ou Antônio Meneghetti, que afirma possuir diplomas de PhD em teologia, psicologia, filosofia e ciências sociais - todos obtidos antes de completar 36 anos!- e, ainda, mais uma extensa lista de títulos, condecorações e diplomas, alguns comprovadamente falsos. Por exemplo: dois textos sobre este cientista-acadêmico, como ele se autodenomina, informam que recebeu, em 1994, o título de Dr. Honoris Causa em Física, pela descoberta de algo denominado "campo semântico", conferido pela Universidade Pro Deo, de Nova York, que não existe.

    Meneghetti conseguiu, ainda, o prodígio de obter um título de PhD em filosofia em 1969, antes de obter um diploma de graduação na área, que só foi conseguido em 1972.

    Ainda que não informe qualquer grau acadêmico em psicologia, Meneghetti relata, em seu currículo, que ensinava psicologia e psicoterapia em uma universidade italiana, na década de 1970 e que sua ciência nasceu da "evidência interna da prática clínica" que, aparentemente, ele nunca exerceu pois não aparece descrita em lugar algum.

    Segundo o jornal italiano La Repubblica3, há informações de que a ontopsicologia utiliza-se de técnicas psicológicas para fomentar uma devoção total a seu fundador. No mínimo é possível afirmar que ele é descrito, na bibliografia ontopsicológica, como um gênio sem precedentes, em todos os domínios do conhecimento.

    Não é muito fácil obterse informações sobre esta pretensa ciência, que foi considerada seita religiosa pelo Servizio per l'Informazione e la Sicurezza Democratica, na Itália. A principal dificuldade é que praticamente toda a bibliografia é de autoria do próprio Meneghetti e publicada exclusivamente por empresas de sua propriedade, no Brasil, na Rússia e na Itália, as editoras Editrice. Meneghetti, aparentemente, nunca publicou um único artigo em uma revista científica independente.

    Em seu Manual de Ontopsicologia Meneghetti lista, na bibliografia, apenas artigos e textos seus, todos publicados em sua editora, sem incluir um único resultado de pesquisa, quer seu, quer de terceiros, conduta absolutamente incompatível com um texto científico.

    A linguagem dos textos ontopsicológicos parece ser deliberadamente obscura, com termos que soam conhecidos, mas que são utilizados de maneira incomum ou mesmo ininteligível. Por exemplo: "O Eu encontrava-se oposto ao não-Eu quando não é capaz de ser transparente transcendência da própria projeção de asseidade histórica".

    Esta técnica literária visa dar a impressão, ao leitor, de que ele precisa de uma exegese (uma explicação fundamental para dar sentido à interpretação de textos religiosos) para passar por uma experiência semelhante a uma revelação, a fim de compreender o conteúdo. Isto motivou a seguinte crítica do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul: "Através de conceitos obscuros como o 'em si ôntico' ... o Dr. Meneghetti esforça-se em travestir de ciência argumentos mais próprios de uma ficção de gosto duvidoso."

    A ontopsicologia não é, apesar da denominação, uma especialidade, ramo ou divisão da psicologia. Exemplos de especialidades, ramos ou divisões, oficialmente reconhecidas, da psicologia são a psicanálise, a psicologia cognitiva e a terapia de família. Ela não é ministrada ou ensinada em qualquer curso de psicologia no Brasil. Ocasionalmente, é possível encontrar-se algum curso de especialização "latu sensu", em universidades ou faculdades de pequena expressão, no interior do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

    A ontopsicologia não é reconhecida como método ou técnica pelo Conselho Federal de Psicologia. Assim, é vedada ao psicólogo a prática desta atividade. Para termos um ponto de comparação, uma outra prática que recebe idêntico tratamento ao que é dado à ontopsicologia é a regressão a vidas passadas.
    Apesar disso, no portal da Associação Brasileira de Ontopsicologia (ABO) encontramos que, entre os instrumentos de intervenção desta suposta ciência, estão a psicoterapia individual e a psicoterapia de grupo. A entidade oferece um curso de pós-graduação em psicoterapia aberto a médicos e psicólogos, mas que não tem reconhecimento oficial.

    O Conselho Regional de Psicologia de S. Paulo (CRP SP) recomenda: "... esta prática não constitui uma técnica científica reconhecida pela psicologia. Portanto, seu uso por parte de psicólogos infringe a ética, devendo ser denunciado ao CRP SP".

    A ABO afirma que a ontopsicologia se diferencia da psicologia tradicional no que diz respeito a cura, pois resolve dramaticamente, em poucas entrevistas, num período inferior a três meses. Afirma também que as descobertas de Meneghetti explicam processos inerentes ao câncer e à esquizofrenia. Não foi possível identificar qualquer evidência empírica para estas afirmações.

    Aliás, quanto à esquizofrenia, os ontopsicólogos tem idéias muito originais. Entre elas está a esquizofrenia existencial, que é a base para todas (!) as doenças mentais. Assim, um ontoterapista, devidamente certificado por Meneghetti, pode curar todas as patologias mentais. Não resta dúvida de que a ontopsicologia contradiz absolutamente tudo o que vem sendo publicado dentro das neurociências sobre este transtorno. Se a ontopsicologia estiver correta, as evidências científicas acumuladas durante as últimas décadas poderiam ser descartadas como equivocadas.

    No mundo, a ontopsicologia é coordenada pelo presidente da Associação Internacional de Ontopsicologia, que não é outro senão Tonino Meneghetti. Existem associações nacionais, na Rússia (da qual Meneghetti é o presidente de honra), na Itália e no Brasil. Os ontopsicólogos construiram, na cidade gaúcha de S. José do Polesine, um "Centro Internacional de Humanismo", para a divulgação da ontopsicologia, com uma área de mais de 30 hectares.

    A ontopsicologia tem diversas ramificações por áreas variadas do conhecimento, como musicoterapia e psicologia empresarial. Uma delas merece destaque: a ontoarte.

    A ontoarte "é compreendida como o formalizado apriórico do acontecimento de nosso existir". Foi fundada, em 1976, por ninguém menos que Tonino Meneghetti, que se apresenta como desenhista de moda, concertista, pintor, decorador e fotógrafo, entre outras competências.

    Não se trata de uma técnica ou estilo. É um movimento de pensamento que cobre toda as artes, e tem o objetivo de "proporcionar o sentido interno do prazer estético". Para se praticar a ontoarte é necessária a sanidade biológica. Este requisito é importante para diferenciála de arte esquizofrênica que é aquela "produzida por uma precisa situação complexual".

    No portal da Associação Internacional de Ontopsicologia, somos informados de que Meneghetti teria exposto no Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1996 (Meneghetti's personal exhibitions). Uma consulta ao MASP e jornais de S. Paulo levaram a confirmação de uma exposição em uma galeria particular. Meneghetti apenas alugou salas no MASP para um seminário. Parece ser um fenômeno freqüente, na ontopsicologia, um certo exagero nas informações, sejam elas científicas, sobre titulação ou mesmo sobre atividades artísticas.

    Na teoria ontopsicológica, um conceito central é o do campo semântico. Meneghetti o define como "a leitura das relações que a vida e a natureza deste planeta usa na gestão das suas próprias individuações".
    Entretanto, deve tratarse de algo físico, já que motivou, segundo o currículo do autor, diversos prêmios em física. É o fenômeno católico do verbo se fazendo carne, reapresentado por meio de conceitos científicos.

    Da mesma maneira, as definições e exemplos de ontoarte são as mesmas de outras formas de arte mística, na qual visualizar algo leva o indivíduo a transcender o nível de existência das pessoas comuns, não iniciadas nos conhecimentos sagrados. Conforme afirma seu criador, "a ontoarte recupera o contato íntimo, a proximidade e o encontro entre...o homem e Deus".

    Entretanto, a grande descoberta da ontopsicologia, que lhe permite uma visão superior mais eficiente, quando comparada às demais ciências da mente, seria o "Em Si ôntico" que é algo um tanto indecifrável para não iniciados. Ele seria "o critério da sanidade existencial" e, por meio dele, "é possível prever o comportamento da vida no interior do ser humano". O "Em Si ôntico", também conhecido como "iso da natureza", é "o critério operativo e certificante garantindo a exatidão do conhecimento nos planos biológico, psicológico e racional". Ele não parece estar acessível para um não ontopsicólogo, já que pode ser percebido por métodos não racionais, como a intuição e a utilização de outras dimensões físicas: "a intuição do Em Si ôntico é a projeção especular da arquitetura do orgânico histórico-real. Basta ter um eu operativo na Quarta Dimensão, a intuição é práxis normativa".

    O que só fica claro depois de uma exegese, é que o "Em Si ôntico" é apenas um termo sofisticado para alma ou espírito. Conforme explica um adepto, é "o elemento estranho do enfoque ontopsicológico na linguagem científica experimental". Assim, criase uma categoria nova de doenças para aqueles que são sadios de corpo e de mente, as neuroses ontopsíquicas, que pode incluir qualquer forma de insatisfação com a vida. São doenças do espírito, tratáveis, então, por métodos religiosos, mais uma vez camuflados de ciência e com os mesmos objetivos de muitas religiões que é o de produzir mais e mais adeptos, muitas vezes sem qualquer consideração quanto aos custos pessoais.

    Enfim, a ontopsicologia parte de um paradigma muito inteligente: toda a parcela sadia da população que não considerar a existência humana satisfatória está pronta para ser atendida por um ontopsicólogo para obter a cura de sua neurose ontopsicológica. Não há como o terapeuta evitar ganhar dinheiro se a idéia se disseminar.

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